quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Entrevista com o Pikachu

Esta reportagem faz parte das celebrações de aniversário de 10 anos da Henshin. A matéria foi publicada originalmente na edição N° 12, de 2000. Muito do sucesso de Pikachu se deve a sua voz. Com poucas palavras, ele expressa qualquer tipo de sentimento. Isso se deve graças a uma das mais respeitadas dubladoras japonesas: Ikue Otani. Pela primeira vez ela contou aos brasileiros curiosidades como originalmente era para o Pikachu falar e, claro, como é fazer um dos personagens mais famosos do mundo.







Ikue Otani estreou na área de dublagem em 1986, aos 21 anos, com o personagem Kiyoshi Hara do anime Ganbare Kickers. Uma das dubladoras mais talentosas de sua geração, ela tem em seu currículo vários trabalhos importantes. Os títulos são respeitáveis: Detective Conan (Mitsuhiko), Godzilla Kingdom (Megabyte), Hello Kitty (Pochi), Hime-chan no Ribbon (Nonohara Himeko Erika), Rurouni Kenshin (Tokiji), Sailor Moon (Tin Nyanko) e Yu Yu Hakusho (Shura). Ikue também atuou no teatro em peças que vão de James Joyce a musicais. Versátil, também fez a dublagem de seriados americanos como Full House – Três é Demais (Stephanie) e ER – Plantão Médico (Goldman).
Ikue recebeu a reportagem da Henshin em sua agência, a Mouse Promotion, que fica em Shinjuku, um dos principais centros comerciais de Tóquio. O local escolhido foi uma das salas de aula de dublagem da agência. Depois, ela desceu para o estúdio de gravação, localizado no subsolo, para uma sessão de fotos. Nossa conversa foi das mais animadas. Falante e sorridente, Ikue esbanja simpatia, e sua voz pausada e meiga lembra os personagens dos animes que dubla.

Henshin: Há quanto tempo você dubla Pikachu?

Ikue: Desde o começo da série. Acho que fazem uns quatro ou cinco anos.


Henshin: Como você foi escolhida para o papel?

Ikue: Me chamaram para fazer o teste para fazer o personagem e fui escolhida.


Henshin: Você precisa ser chamada para fazer esses testes?

Ikue: Se você não for chamado para o teste não tem nem chance.


Henshin: E foi no teste o seu primeiro contato com o personagem?


Ikue: Na época já existia um jogo para Game Boy e as crianças já conheciam o personagem, mas eu nunca tinha jogado. Antes de começar a fazer o Pikachu, houve uma apresentação do universo de Pokémon, da história, dos personagens.


Henshin: E o Pikachu do Game Boy já tinha voz?

Ikue: Não. Na época, os jogos só vinham com som eletrônico.


Henshin: E atualmente?

Ikue: Agora existem vários tipos de jogos. Tem um que se chama Yellow Version, no qual Ash anda com o Pikachu ao seu lado. Essa versão já vem com algumas falas do Pikachu.


Henshin: De qual dos seus trabalhos anteriores você mais gosta?

Ikue: Não sei dizer agora, mas existem vários.


Henshin: E quanto ao Pikachu?

Ikue: Gosto muito dele. No começo, quando fiz o teste, a idéia era que o Pikachu começasse a falar aos poucos, da mesma forma que o Meowth. Lembro que no teste existiam algumas falas como “Wakaranaidetchu” (em japonês, “wakaranaidesu” significa “não entendo”; o “detchu” é uma alusão ao “chu” de Pikachu). Mas como notaram que só as expressões iniciais eram suficientes para que ele fosse compreendido, chegaram à conclusão de que o melhor seria que ele não falasse.


Henshin: Como é passar uma mensagem sem usar palavras?


Ikue: Bom, é difícil. Quando quero expressar alguma coisa do tipo “ikouze” (vamos lá!), tento falar na mesma entonação que usaria para dizer isso.


Henshin: No entanto, sua voz é a voz do Pikachu em todo o mundo, certo? Como as pessoas entendem?

Ikue: Será que entendem mesmo? Que alegria. O Pikachu é um animal selvagem – pelo menos na origem –, um pocket monster, que é diferente de um ser humano. Procuro sempre ter isso em mente. Sempre imagino se os personagens humanos Ash, Brock e a Misty estão me entendendo ou não. Também procuro pensar o que o Pikachu, enquanto animal, pode ou não entender. Acredito que no Brasil também funcione da mesma maneira – quando se tem um bichinho de estimação, os donos sempre acham que os animais entendem o que eles dizem. E até certo ponto, entendem mesmo. Mas não se pode esperar que eles entendam tudo que é dito. Da mesma maneira, procuro trabalhar o meu personagem. Ele não é exatamente um bicho de estimação, mas também um amigo. Procuro sempre pensar no que ele está entendendo e também no que ele não pode entender. Talvez por isso seja mais fácil para as pessoas, independente da língua, compreenderem o Pikachu.


Henshin: Você ficou conhecida no mundo inteiro como a voz do Pikachu. Você sabe disso?

Ikue: É mesmo? Não sei muito bem. Bom, ouço falar que sim
.

Henshin: O que você pensa sobre isso?

Ikue: Em primeiro lugar, fico muito contente. As crianças que assistem ao programa, ou mesmo os pais com filhos pequenos têm me dado um retorno muito bom. Quando essas crianças crescerem, talvez ainda se lembrem que assistiam a Pokémon. Acho que esse é um dos desenhos que vai ficar no imaginário delas, e essa possibilidade me deixa muito feliz.


Henshin: Você já recebeu cartas de fãs internacionais?


Ikue: Ainda não.


Henshin: Você sabia que é famosa no Brasil?

Ikue: Não, não sabia.

Henshin:
 Houve alguma mudança na sua vida desde que começou a dublar o Pikachu?


Ikue: A chance de fazer o Pikachu tem me dado muitas alegrias. Por exemplo, quando estou no trem e olho para o lado e vejo uma criança compenetrada jogando o Game Boy, ou com um tênis do Pikachu, ou segurando com cuidado a pasta do personagem. Elas não me conhecem, mas de certa maneira faço parte daquilo também – e sempre fico agradecida.


Henshin: Você se esforçou muito no início para criar o personagem?


Ikue: Como dubladora, estou sempre me esforçando para usar vários tipos de vozes para representar. Todos os papéis exigem muito de nós.


Henshin: Como foi o processo de criação da voz do Pikachu?


Ikue: Não sei como funciona em outros países, mas o sistema de dublagem para animação aqui no Japão começa com o desenho. Com ele pronto, os dubladores se reúnem e vão acompanhando o roteiro, que vem com algumas indicações de ação. Assistimos também ao desenho na tela e vamos trabalhando os diálogos. Às vezes acontece de estar escrito “pika pika” no roteiro, mas o movimento labial não parece ser exatamente esse. Esse tipo de coisa é discutido. Estamos, na verdade, participando do processo de criação junto com o diretor e os desenhistas. É claro que também recebemos dicas sobre o tom das falas, a intenção dos personagens. Na verdade, como as imagens passam na tela, não penso muito sobre como fazer – as falas saem naturalmente.


Henshin: Vocês recebem o roteiro no momento da gravação?


Ikue: Geralmente recebemos uma semana antes.


Henshin: Há algum tipo de ensaio?

Ikue: Não. Na hora, acompanho as imagens e o ritmo dos outros dubladores. Às vezes, o rosto do personagem parece preocupado. Então, fico pensando por que ele está preocupado.


Henshin: Quando o Pikachu parece preocupado, você também adquire esse tipo de fisionomia?

Ikue: Sim.


Henshin: Quais seus episódios prediletos de Pokémon?

Ikue: Tenho vários, mas acho que o primeiro é um dos que mais gosto. O encontro de Pikachu com Ash. No começo não nos damos bem. Depois que Ash salva Pikachu de um ataque é que começa a nascer uma grande amizade entre eles. Há também um episódio em que o Meowth e o Pikachu se perdem e por algum motivo eles estavam algemados – precisavam sempre andar juntos. A história se desenrola por uns 30 minutos. Como o Meowth fala, ele fazia o papel de apresentador.


Henshin: Por que você acabou sendo selecionada para o papel?

Ikue: Ouvi falar mais tarde que meu modo de falar “Pika Pika Pikachu” lembrava palavras reais.


Henshin: Você sabe alguma coisa sobre os Digimons?

Ikue: Não. Não sei mesmo. Ouvi falar do programa, mas não sei nada sobre o conteúdo do desenho.


Henshin: Há algum tipo de rivalidade?

Ikue: Não, de maneira alguma. O universo Pokémon se sustenta sozinho e por isso nunca cheguei a comparar os dois desenhos.


Henshin: Você lembra de alguma história divertida?

Ikue: Aqui, as gravações são feitas num estúdio com quatro microfones. As imagens passam em duas telas grandes e a gravação é feita direto por uns 15 minutos, sem intervalos. Ou seja, todos os dubladores interagem – e inevitavelmente, acontecem coisas engraçadas. Por exemplo, alguns monstros já têm falas prontas. Alguns ficam a cargo do próprio dublador. Nesses casos, o dublador não planeja muito. O som sai naturalmente em meio aos diálogos, seguindo as imagens. Algumas vezes, acabam saindo coisas muito engraçadas. Alguns Pokémons tiveram seus sons criados assim. O problema é que como a gravação é contínua, não podemos rir. Outra coisa gozada é que quando esse Pokémon volta a aparecer, precisa continuar com a mesma fala da primeira vez. Às vezes o dublador não é o mesmo, ou quando é acontece de não se lembrar da fala dele – ficamos nos perguntando como era. O melhor é essa sensação de estarmos criando juntos. Às vezes começamos a rir tanto que precisamos parar as gravações.


Henshin: Há algum tipo de escola para dubladores?


Ikue: Sim, existem muitas.


Henshin: Você freqüentou alguma?

Ikue: Fiz um curso sim – mas não é a escola que ensina. Não é para desanimar os que aspiram a profissão, mas não depende tanto da escola que se freqüenta. Eu fiz curso aqui mesmo na Mouse Promotion, que na época ainda se chamava Ezaki Production. Foi quando entrei em contato com muitos profissionais que eram nossos professores. Acho que mais importante do que a escola é conhecer os professores e os profissionais da área e aprender com eles.


Henshin: Quando você decidiu ser dubladora?


Ikue: Na verdade, eu queria ser atriz. No Japão, a maioria dos atores escolhe uma área de comunicação, do tipo cinema, teatro ou dublagem. Bom, mesmo no caso de “voice acting” existem algumas áreas diferentes: narração em comerciais, “voice over” e animação. Eu não tinha me dado conta de que havia essa área de dublagem. No começo eu queria fazer teatro. E quando me dei conta estava aqui.


Henshin: Que tipo de estudos você realiza?

Ikue: Uma espécie de observação participante das pessoas. Às vezes fico me observando também – por exemplo, quando estou brava ou discutindo com alguém, e começo a falar rápido. Fora dessa realidade, tem uma parte de mim que analisa o quanto eu consigo falar rápido quando estou brava. Ou no trem, quando vejo alguém bêbado, penso: “nossa, as pessoas ficam assim quando bêbadas”. Ou tento adivinhar o que as pessoas fazem. Observo bastante. Preciso entender e expressar sentimentos que não são sempre os meus para diferentes papéis. Por isso, é importante entender que nessa mesma situação eu faria uma coisa, mas há outros tipos de pessoas e outros pontos de vista e outras reações.

Henshin:
 Você faz algum tipo de estudo para criar vozes diferentes?


Ikue: Vozes diferentes acabam limitando a variedade de personagens e um mesmo personagem precisa variar de voz dependendo da situação e dos sentimentos. Acredito que uma mesma pessoa tenha vários tipos de vozes. Na verdade, acho que embora a maneira de usar a voz varie – dependendo da ação, do personagem, idade e sexo – ela em si não muda tanto. Faço muitos papéis de criança. Sempre me preocupo com o tipo de conhecimento que uma criança dessa idade tem, a maneira de compreender, reagir e sentir. Acho que cada personagem ganha personalidade com a voz, independente de ela ser diferente ou não do outro. O importante é a maneira de falar. Por isso minha voz não muda tanto de personagem para personagem.









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